terça-feira, 23 de novembro de 2010

O Rio continua lindo? Não vi...

Clique para ampliar
Só mesmo sendo jornalista para ir ao Rio de Janeiro meia hora depois de saber que você vai viajar, chegar lá às três da tarde, ir embora para casa antes das oito da noite e escrever a reportagem para a edição do dia seguinte.

E eu que previa um dia tranquilo. Naquela época, fazia parte da equipe da manhã de 'A Tribuna' e estava com duas pautas em andamento. De uma, não me lembro mais; a outra se referia aos 200 anos da chegada da Família Real portuguesa ao Brasil e, pelo que tinha entendido, seria para dali a dois dias. Mas já tinha material suficiente: escreveria a matéria e sairia mais cedo, para compensar horas extras de outros dias.


Passava um pouco do meio-dia quando eu voltava do almoço. Foi quando saiu do 'aquário' o então editor-chefe, Marcio Calves.

-- O que você está fazendo?

-- Duas matérias. Uma já está pronta.

-- A outra é pra amanhã?

-- Não -- respondi, sobre a tal matéria da Família Real.

-- Você pode ir pro Rio de Janeiro agora, agora, agora? O Papa, o Pelé e o Serra vão estar no escritório do Niemeyer para ver um projeto pro Museu Pelé!

Só me restou ligar pra casa e avisar minha mulher de que chegaria (bem) mais tarde. Ela até achou engraçada essa viagem repentina. Companheira como ela, nem com vela acesa...

Eu nem sabia o que sentia. Só me lembrava de que, aos 29 anos de idade, jamais havia viajado de avião. E fui-me embora com a Patrícia Cruz, fotógrafa, que na véspera tinha voltado... do Rio, aonde fora com a colega Daniela Paulino cobrir mais uma etapa do Big Brother Brasil (acho que a santista Juliana Góes estava no paredão; acho aquilo uma big bobagem, não me desce, mas paciência).

Chegamos lá, avisei à Redação, tomei um táxi rumo à Avenida Atlântica, 3940 (o escritório de Oscar Niemeyer, em Copacabana) e... tocou o telefone. Era a editora do caderno Local, Lídia Maria de Melo.

-- Rafa, e a matéria sobre a Família Real?

-- Não é para sábado?

-- Não. É pra amanhã. Venderam anúncios para esse dia. Como vamos fazer?

Menos mal: por sorte, viajei com o laptop do jornal e estava com o bloco onde tinha feito anotações para a reportagem. Mandaria tudo por e-mail. E chegamos ao prédio do Niemeyer.

Ia ligar o computador, quando a Patrícia me disse para usar uma tomada. Senão, ficaríamos sem bateria para enviar as fotos ao jornal.

O edifício era muito acanhado. Imagine casas geminadas. Em Copacabana, os prédios mais velhos da orla são colados uns aos outros, formando um paredão ainda pior do que o santista. E o de Niemeyer era tão velho que não dispunha nem sequer de uma tomada com três furos para encaixar o fio do laptop. Adaptador? Nem pensar: o zelador jurou que não tinha.

E eu, que não bebo, saí a procurar um bar em Copacabana. Um bar com tomada trifásica pra ligar o laptop.

Deu certo. Escrevi a matéria de abertura sobre a Família Real e mandei por e-mail. Ia começar a retranca quando a Patrícia apareceu, desesperada, no bar. "Eles estão chegando! O porteiro falou que viu o Pelé!".

Nem Pelé, nem Coutinho, nem Rodolfo Rodriguez. Errou, como se fosse possível errar a figura do Pelé. E já não dava mais pra voltar pro bar e ligar o laptop de novo: uma hora ia ser verdade. Fiz a retranca à mão, no bloquinho. Deu tempo, porque o prefeito João Paulo Tavares Papa, o então governador José Serra e o Pelé só chegariam uma hora depois.

Aí é que foi a briga. Além de não ter tomada com três furos, o prédio do Niemeyer só tinha um elevador. Para quatro pessoas. Nem sei quantas viagens todo o pessoal de jornal, rádio e TV que estava lá precisou fazer para chegar ao décimo andar, onde fica o escritório. Mas que Pelé e Niemeyer apertaram as mãos umas três vezes para garantir fotos para os jornalistas, isso foi.

Num certo momento, entrei numa roda de jornalistas que falavam com o Niemeyer. Pena que não cheguei em tempo de uma cena que o Filippo Mancuso, então repórter da TV Tribuna (afiliada da Rede Globo na Baixada Santista), me contou:

-- Arquiteto Oscar Niemeyer, 100 anos de idade... -- discursava um repórter, começando uma pergunta.

-- Cem, o car.... -- esbravejou o homem, balbuciando aquela palavra que termina com 'alho'.

O que perguntar pro camarada? Num estalo, me lembrei que, poucos dias antes, o presidente de Cuba, Fidel Castro, havia se afastado do poder após 49 anos, por motivos de saúde. No discurso de despedida, ele citou Niemeyer, arquiteto mundialmente conhecido e comunista convicto, dizendo que, como o arquiteto, "se deve ser coerente até o final".

Ler é bom. Foi essa a minha deixa. Graças à 'sensibilidade' do pessoal quanto ao tema, logo que fiz minha primeira pergunta, todo mundo desligou as câmeras e os gravadores, e acabei fazendo uma breve entrevista exclusiva (veja a reportagem, clicando na figura para ampliar a página) com o homem. "Vai acabar (o império norte-americano), porque é uma merda", profetizou.

Fomos ao aeroporto de carona no táxi que o Filippo chamou. Do táxi, a Patrícia começou a mandar as fotos. Enviou a última já na cabine do avião. Ali, enfim, o laptop era 'meu'. Nos 50 minutos de voo até São Paulo, não abri a boca: passei a limpo a retranca da Família Real, transcrevi a exclusiva com o Niemeyer e comecei a esboçar alguma coisa da matéria. Enviei o e-mail com a retranca já no carro da TV, em movimento, saindo do aeroporto (a viatura tremia e eu sofria para botar o cursor do laptop no botão 'Enviar', pra mandar a mensagem).

À 1h35 da madrugada, ficou pronta a página que você pode ver no alto, à direita. Foi o fim de um dia que, para mim, durou 17 horas. Boas horas.

"Ah, mas, e do Rio, você não diz nada?". Só três lembranças: uma folha seca de árvore, caída na calçada, em forma de coração (adivinhe para quem trouxe), um molhe de pedras (parecido com o do Emissário Submarino, em Santos) onde se construiu um casarão para hospedagem de militares da Marinha e um posto de combustíveis no canteiro central da Avenida Atlântica, bem parecido com o que existe no Tapetão do Itararé, em São Vicente.

Se o Rio continua lindo, é por fazer lembrar a casa da gente.


- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

AQUI, A ÍNTEGRA DA BREVE CONVERSA QUE TIVE COM OSCAR NIEMEYER

Oscar Niemeyer também é mundialmente conhecido por defender o comunismo. Já recebeu, no Rio, a visita do ex-presidente cubano Fidel Castro. E o arquiteto foi mencionado no artigo em que Castro abdicou do cargo, após governar a ilha por 49 anos. Ao citar o arquiteto, Fidel escreveu, no texto em que comunicou sua renúncia, que "se deve ser coerente até o final". E, aos 100 anos, Niemeyer fez jus à afirmação, ao rechaçar "o poder do império norte-americano", como mostrou nesta rápida entrevista a A Tribuna:

Pergunta: Com a saída de Fidel, que reflexão o sr. faz a respeito do que ele disse?
Resposta: Mas ele continua participando da vida cubana, da luta, da Revolução Cubana... Foi um líder, não apenas de Cuba, mas da América Latina. Fidel é uma figura que a gente tem que ver com prazer porque ele está ao lado do povo dele. Quer uma vida melhor para todos, mais justa, todos juntos, de mãos dadas, sem preocupações de mando, sem o poder do império norte-americano, que a vida deve ser igual para todos... É uma grande figura.

P.: Imagina que, futuramente, sem a presença dos irmãos Castro, isso poderá se manter?
R.: Não sei, mas ele (Fidel) está bem representado (seu irmão, Raúl, de 76 anos, presidiu Cuba interinamente e foi mantido no cargo). Ele vai continuar a ser, sempre, o conselheiro do povo cubano. Você sabe que, um dia, ele mandou armar todo o povo cubano, todo mundo (deveria) ter um revólver em casa? Você acha que isso é fato possível de fazer em outros lugares? É preciso ter confiança no povo. A luta continua, a briga continua, porque a reação não acabou. (O "império") Vai acabar porque é uma merda.

Um comentário:

  1. Oi, Rafa, me lembro dessa loucura toda. E do nosso (seu e meu) susto envolvendo a matéria sobre a Família Real.

    ResponderExcluir