quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O passado e a luz da vida

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O Brasil ficou três vezes às escuras: em 1999, 2001 e 2009. Por causa de problemas estruturais do sistema elétrico nacional, seria preciso consertá-lo urgentemente. E, para fazer os reparos, usá-lo com menos intensidade.

Por causa disso, após o segundo apagão, o Governo Fernando Henrique Cardoso determinou o racionamento de energia nas regiões Nordeste e Sudeste. Ah, claro, com "sobretaxas" variáveis de 50% a 200% do valor das contas aos que ultrapassassem determinadas médias de consumo.

Obviamente, toda a mídia abordaria o tema de forma semelhante, com as recomendações básicas devidas. O que fazer de diferente num jornal regional, de alcance limitado, mas que, por força das circunstâncias, não poderia ficar alheio ao assunto?



Naquele tempo, eu trabalhava no 'Diário do Litoral', onde tive minha primeira experiência em jornalismo impresso (entre o final de 2000 e maio de 2006, em duas passagens). O editor-chefe era Sérgio Moita, ex-'Cidade de Santos', que assim me saudava quando nos encontrávamos na Redação: "Rafael Pinto Bandeira, a Espada Continentina!".

Bandeira (1740-1795) era um militar gaúcho de Rio Grande (onde, se não me engano, o Moita nasceu), descrito como valente e autoritário defensor das possessões portuguesas na então Capitania de São Pedro do Rio Grande. Um caudilho. Começou a pegar em armas antes dos 14 anos. Na fase final da vida, atuou na Corte, em Portugal, época em que engordou de tal forma que se tornou impossível, para ele, montar a cavalo sem ajuda. Aliás, conta-se que morreu numa dessas tentativas. Cada coisa...

Bem, eu falava no racionamento. E, quando o Moita me deixou como pauta a explicação detalhada de como seria, quando começaria, onde seria feito, como se cobraria a tal sobretaxa, como aprender a ler o relógio medidor para se verificar o gasto de energia, falei com ele sobre meu avô materno, Alberto Motta:

-- Ele nasceu e viveu no Monte Serrat. Ele conta que, quando criança, o Getúlio (Vargas, 1882-1954, então presidente da República; a propósito, outro gaúcho) mandava apagar as luzes da cidade à noite, para que marinheiros alemães inimigos não avistassem a terra (era tempo da Segunda Guerra Mundial, 1939-1945; a ordem vigorou entre 1942 e 1943).

-- Ótimo! -- exclamou o Moita, sorridente. -- Você vai entrevistar seu avô!

Eu me sentia desconfortável com a ideia de entrevistar um parente. Achava que deveria procurar por alguém que, ao menos, não fosse da família. Aceitei porque foi o Moita quem me pediu, e não, uma iniciativa minha para facilitar as coisas. Bobagem? Talvez. Afinal, eu sabia ser verdade o que meu avô já tinha me dito algumas vezes. E diria mais uma, ao telefone, quando liguei para casa (eu morava com minha mãe, meus avós e minha irmã).

Mesmo do outro lado da linha, ouvia meu avô, do alto de seus 70 anos, e imaginava -- como eu ainda faço quando conversamos sobre o passado dele -- a vida que levava aos 12, 13 anos; o subir e descer das escadarias do morro, todo dia; o pão, comprado numa longa fila, que saía "preto" por escassez de farinha durante a Guerra.

"Clima de guerra", em 2001, era o que dizia vivermos o então presidente da Agência Nacional de Petróleo, David Zylberstajn (que era genro de Fernando Henrique; e os tucanos reclamam do "aparelhamento" do Estado pelos petistas...). "Há um pouco de exagero", considerou meu avô, que cresceu lendo e ouvindo falar sobre bombardeios, campos de concentração e extermínio.

A breve entrevista com o 'vô' Alberto foi, talvez, a mais importante que fiz na vida. Importante para mim, claro. E é -- olhe a redundância -- o que me importa.

Mas engraçada foi a reação do fotógrafo e ex-colega de faculdade Ricardo Nogueira (hoje, na 'Folha de S. Paulo), quando foi lá em casa fazer a foto enquanto eu apurava outras coisas:

-- Teu avô toma água da fonte da juventude? Pô, eu cheguei lá, pediram pra eu esperar, e eu achei que ia encontrar um velho todo torto, quebrado... Aí, ele apareceu, maior que eu...

Pode ser que eu chegue lá. Por racionamento, já passei. Sem guerra? 

P.S.: Meus avós economizaram muita energia em 2001. Banhos bem rápidos. Televisão, só na hora da novela, com luzes apagadas. Quase nada nas tomadas. Não só a conta saiu de graça naqueles meses, como, pelas regras do racionamento, a companhia de eletricidade (na época, a Empresa Bandeirante de Energia) ainda teve de pagar para eles. Depois de uma guerra de verdade, aquilo foi fichinha para esse belo e econômico casal.

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