terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Você se lembra? Lembo!

Quando se fala no DEM, sigla que representa o partido Democratas, no que você pensa? Eu, pelo menos, me lembro de que se trata do antigo PFL (Partido da Frente Liberal), uma dissidência do extinto PDS (Partido Democrático Social), que surgiu da Arena (Aliança Renovadora Nacional, a legenda de apoio à ditadura militar instituída no Brasil em 1964, após golpe de Estado).

Mas, mesmo em legendas compostas por gente reacionária, há vida inteligente. E admirável, como o ex-governador paulista Cláudio Lembo. Esse homem não fez questão alguma de esconder que recebeu o governo das mãos de Geraldo Alckmin (PSDB, que deixou o cargo para concorrer, sem sucesso, à Presidência) com um rombo de R$ 1,4 bilhão. Aliás, um motivo que contribuiu para a venda da Nossa Caixa sob a gestão de José Serra (PSDB) -- um assunto para outro dia.

Conheci Lembo em 13 de junho de 2006, dia em que, pela primeira (e única) vez, o Estado cumpriu um decreto assinado por Alckmin e transferiu a Capital de São Paulo para Santos, em homenagem ao 243º aniversário de nascimento do santista José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), Patriarca da Independência. Fazia um mês dos primeiros ataques atribuídos à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), ordenados de dentro de cadeias, e pouco menos tempo de uma célebre entrevista ao jornal 'Folha de S. Paulo': nela, o então governador disse haver, no Brasil, "uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa".

Além de sincero, extremamente bem-humorado. Talvez porque só teria meio ano de mandato, o suficiente apenas para tocar o barco e ir para casa. Prefiro uma segunda hipótese, a de que ele é assim mesmo. Arrisco dizer que, se José Serra tivesse só um pouquinho dessas duas qualidades, estaria neste instante anunciando os ministros do governo que não assumirá a partir de 1º de janeiro próximo.

E, além de sincero e extremamente bem-humorado, pontual. Lembo deveria chegar ao Paço Municipal às 8 horas. Eram 7h58 quando o repórter-fotográfico Rogério Soares e eu andávamos pela Rua General Câmara, a uma quadra da Prefeitura, quando avistamos o carro oficial do governador. Já estava subindo a rampa para se encontrar com o prefeito João Paulo Tavares Papa (PMDB). Saímos correndo.

No gabinete do prefeito, Lembo deu entrevista coletiva. Como eu tinha contado, estávamos no intervalo entre a primeira e a segunda onda de ações do PCC (a outra ocorreria um mês depois), e ainda se vivia um certo medo de ações dos bandidos. Todos pareciam ansiosos para fazer perguntas. E surgiu a primeira, de uma repórter de TV local:

-- O que o sr. acha desta visita a Santos, que hoje se torna a Capital do Estado?

Não dá para condenar a moça. Como não se conhecia Lembo muito bem, havia o temor de que ele fizesse como faria seu sucessor, que, ao ouvir perguntas mais duras, nada dizia -- virava as costas e ia embora, num mau costume que não perdeu. Mas, diante da gravidade daquele momento, me deu vontade de sumir. Juro, senti vergonha. 

Enquanto respondia a outra questão, Cláudio Lembo foi interrompido por um repórter-cinematográfico. O fio da tomada do 'pau-de-fogo' (a luminária) havia se soltado e a luz se apagou. "Vou ter que acender a luz e bater o branco (regular as cores da câmera, o que se faz a partir de um fundo branco)".

Pois, de repente, Lembo abriu o paletó (como se fosse um super-herói puxando a camisa para fazer aparecer o emblema do personagem, como o Super-Homem) e gesticulou: "Pode bater! Bate no branco, mesmo! Essa elite...". Risos gerais, lógico, por causa da lembrança da entrevista que ele dera à 'Folha'.

Ainda se fizeram mais umas duas perguntas, até que chegou minha vez. Claro, falei no PCC.

-- Mas eu pensei que você fosse me fazer essa pergunta... -- sorriu Lembo, apontando para a repórter da TV. Logo ele se recompôs e, de forma séria, me garantiu uma bela retranca sobre o plano (não sei se efetivado) de se comprarem equipamentos estrangeiros para o bloqueio do sinal de telefonia celular em prisões.

Ainda me deu tempo de perguntar sobre política. Alckmin tentaria a Presidência, Serra disputaria a sucessão, e Lembo, um vice que assumiu o cargo com a saída do titular, nada tentaria. Portanto, o que seria de seu futuro político?

-- Se eu morasse em Santos, seria no Saboó. Como vivo em São Paulo, vai ser no Araçá -- brincou, referindo-se a dois cemitérios. Ele estava com 71 anos...

Foram coisas que não entraram na matéria, mas ajudaram, e muito, a colega Amanda Guerra. Na ocasião, ela estava redigindo a coluna 'Dia a Dia', a seção de política de 'A Tribuna'. Nunca a vi rir tanto.

E Cláudio Lembo? Segue por aí: é presidente estadual do DEM. Lúcido o bastante para continuar engraçado num mundo político egoísta e desequilibrado.

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