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Às vezes, a desgraça é tanta que, quando acontece, a gente não fica com raiva: do contrário, se sente aliviado ao perceber que poderia ser pior.
Vi isso pelo menos duas vezes em julho de 2006, na segunda e última onda de ataques a locais públicos e pessoas atribuídos ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa que controla seus atos de dentro das cadeias, inclusive por telefone -- apesar de as celas não terem tomadas para a recarga de celulares.
A primeira delas foi no dia 12. A Baixada Santista havia amanhecido com um rastro de violência e destruição do qual os paulistas tiveram amostra em maio daquele ano, quando o PCC, de envergadura sempre reduzida pelas autoridades, agiu pela primeira vez.
Com as orientações dadas pela subeditora Christiane Lourenço, responsável pela Pauta (função que, por coincidência, estou exercendo temporariamente, e não sei como ela consegue fazer isso há tanto tempo sem ter um troço), e ouvindo o rádio da viatura do jornal, fui atrás de fatos. O maior deles, no Viaduto Mário Covas, no Parque Bitaru, em São Vicente: um ônibus intermunicipal vindo de Praia Grande havia sido incendiado e totalmente destruído. Só restou a carcaça.
Mais do que o estado do coletivo, me chamou a atenção um homem de 48 anos, grisalho, meio calvo, de bigode, com camisa azul-clara e calça azul-marinho, que fumava um cigarro. E ria. Ria um riso de alívio, porque tinha dado tempo de pegar sua bolsa e sair correndo, bem pouco depois de dois menores armados espalharem gasolina no veículo, mandarem os passageiros descerem e fugirem. Deles, nem sinal.
Eu também ri, mas depois de um susto: ver a então colega de Redação Patrícia Diguê, de boné, camiseta e short, se aproximando de mim e do repórter-fotográfico Carlos Nogueira. Ela estava fazendo sua corrida matinal e que só seu deu conta do que estava acontecendo quando viu nós dois no meio da pista. Distraída, só depois olhou para o que tinha sobrado do ônibus. "Nossa!", exclamou. E continuou correndo...
No dia seguinte, 13, não ri. Tive notícia de outro incêndio ocorrido na véspera, também num ônibus, também em São Vicente. Na verdade, uma tentativa de incêndio: alguém jogou uma garrafa com combustível no veículo. Mas não deu aviso, ao contrário da dupla incendiária do viaduto. Quem pôde, saiu correndo.
Pior para Henrique, um menino de 2 anos e 9 meses, que vi no Setor de Terapia Intensiva de Queimados da Santa Casa de Santos, no Jabaquara. Ficou com queimaduras de segundo grau nas mãos, no rosto, no pescoço e em uma orelha. Voltava de um passeio ao Gonzaga, em Santos, com a mãe -- que estava de folga e, hoje posso dizer, era policial militar. Na época, ela me pediu para não revelar sua profissão.
No fundo, nem precisaria. Porque, ao ver o garoto enrolado em ataduras e se lamentando, baixinho, por causa da dor, chorei. Minha filha é pouco mais velha do que aquele menino. E poderia estar lá, no lugar dele, como poderia ser com qualquer outra criança. Mas a mãe, até pelo cansaço, mostrava resignação. Saíram vivos, era o que importava naquela hora.
Não sei se coisas assim servem de lição para o rapaz de 16 anos que foi detido em casa, enquanto dormia, um dia após destruir um caixa eletrônico no Humaitá, em São Vicente, com um coquetel molotov (uma garrafa cheia de gasolina com um pano na ponta, que serve como pavio). Um dos coquetéis, aliás, estourou perto dele e lhe queimou pernas, braços e rosto.
Lição para garotos como esse, que vi e ouvi, diante dos policiais, dizendo ter feito aquilo por "pura emoção, senhor. Fui no embalo, senhor".
Lição para pensar. Afinal, como rebateu um dos PMs que o pegaram, "quer dizer que se te mandarem dar o rabo, tu vai no embalo?". O rapaz não respondeu. Eu não publiquei essa parte. Tenho certeza de que os editores cortariam.
E o PCC é como Elvis: não morreu.
Rafa, não se esqueça de continuar atualizando este blog. É muito bom e útil. Abração.
ResponderExcluirObrigado pelo incentivo, Lídia. Prometo me esforçar...
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