quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Depois não entendem...

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... por que o Nordeste brasileiro mostra sinais de desenvolvimento que não teve nos últimos séculos dos séculos. Quem é da Baixada Santista vai entender: no Ceará, existe VLT! É a sigla para Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), promessa feita pelo Governo Estadual desde 1999 e que, cinco governadores depois, não passou disso.

Lá, eles chamam o VLT (o primeiro a entrar em operação no Brasil) de Metrô do Cariri, em referência à região metropolitana onde ficam as duas cidades atendidas por esse meio de transporte: Juazeiro do Norte, terra de Padre Cícero, e Crato. Proporcionalmente, é mais ou menos como se fossem Santos e São Vicente.


Mas, antes de contar a história dessa reportagem, vou dizer o que seria feito antes. A ideia inicial de um dos editores-executivos de 'A Tribuna', Dario Palhares (que deixou o jornal no final do mês passado), era que eu viajasse a Curitiba, no Paraná. Isso foi no final de agosto passado. Essa capital é conhecida por ter se transformado em referência internacional em transporte coletivo, com corredores de ônibus que levam passageiros aos destinos de forma rápida, relativamente barata e livre de congestionamentos.

O problema é que a viagem a Curitiba dependia de uma resposta que jamais recebi: do escritório do arquiteto e urbanista Jaime Lerner, que era prefeito do município em meados da década de 1970, quando teve início a introdução do sistema de BRT (Bus Rapid Transit; em português, Transporte Rápido por Ônibus).

Sem a entrevista com Lerner, tive de desmarcar dois encontros que havia conseguido agendar em Curitiba, em horários que dariam certo com minhas pretensões: com os dirigentes do órgão municipal de trânsito e do escritório local de planejamento da cidade, que trabalham conjuntamente para que o transporte coletivo atenda as necessidades e os planos de crescimento de Curitiba (viu, Prefeitura de Santos?).

Pois é, Curitiba: fica para a próxima.

A pauta acabou meio que pendurada. Vez por outra, o Dario insistia. Mas via que, diante da escassez de repórteres e das pautas que eu vinha recebendo (e, confesso, nem me lembro mais direito quais eram; ah, sim: as eleições de 2010!), o assunto ficava para depois.

Até que, nos últimos dias de outubro, o tema voltou à tona -- resgatado pelo Dario. Eu teria de ir a Campinas (veja, na matéria, o desastre que aconteceu com o VLT de lá). E, dias depois, meu destino seria o Ceará.

Não, companheiros de infortúnio (como diz o Hamilton Iozzi Correia, coordenador de Editorias do jornal), nada de lindas praias, nada de turismo, nada de descanso: o negócio era conhecer o Metrô do Cariri, ao Sul do Ceará, que funcionava desde dezembro de 2009 e virou exemplo de integração metropolitana, visto que ligava duas cidades da região e os trens que o faziam eram produzidos em outro município vizinho, Barbalha, por uma empresa local.

E, no dia seguinte a Finados, madruguei no Aeroporto de Congonhas, em Guarulhos, rumo ao Aeroporto Orlando Bezerra de Menezes, em Juazeiro do Norte, com escala em Recife, Pernambuco.

(Um parêntese: já repararam que toda região de porte bem mais ou menos tem um aeroporto local? De novo, só aqui, na Baixada Santista, certas coisas não acontecem. Fecha parênteses.)

Logo de cara, eu tinha uma preocupação: imediatamente após o desembarque, às 14 horas, teria de encontrar o fotógrafo que contratamos para registrar o VLT de lá. Tive sorte dupla: o aeroporto só tem uma porta para entrada e outra para saída e o fotógrafo, Cícero Valério, me esperava com uma folha de caderno nas mãos, com meu nome e o do jornal escritos.

Era uma tarde quente (35 graus, conforme anunciara pouco antes o comandante do voo) e seca. Ainda bem que o táxi tinha ar-condicionado. Fomos ao hotel deixar as malas. No quarto, Cícero, que é evangélico, me pediu para fazer uma oração por mim e, de lá, fomos à Estação Fátima, o ponto final do VLT cearense.

Minhas impressões sobre o Metrô do Cariri não poderiam ser melhores. Afora o ruído do motor a diesel, nada para reclamar. Pontual, limpo, bonito, barato (R$ 1 por 13 quilômetros de percurso, cumpridos em 40 minutos; em Santos, a tarifa dos ônibus municipais vai subir de R$ 2,50 para R$ 2,65 à meia-noite de sábado).

Nessas horas, quem é paulista e tem um mínimo de vergonha na cara se sente ridículo. Com tudo que há de difícil por aquelas bandas, fazem as coisas. Aqui, só nos dão desculpas. O pior é que, de modo geral, as aceitamos.

Saindo do trem, fui com Cícero a uma lan house, pois ele teria de gravar um CD com as 48 fotos que tirou. Feito isso, entreguei a ele o pagamento, nos despedimos e fui para o hotel.

Pouco antes de ir dormir, pedi ao recepcionista que me acordasse às 7 da manhã. Queria me levantar cedo para andar um pouco pelas redondezas. Não foi preciso: como o Ceará é um dos estados onde não vigora o Horário de Verão, acordei com a luz do dia. Pelo horário de lá, eram 5h38! Com o café servido só a partir das 6h30, continuei escrevendo a matéria, o que tinha começado a fazer na véspera.

Depois do café, perambulei (lembra-se desse verbo?). Outra constatação: o nordestino, mesmo na área urbana, acorda cedo. Às 7 horas, ruas já cheias de gente e estabelecimentos começando a abrir as portas. Praças movimentadas. Vendedores de leite fresco em lombo de burro. E Padre Cícero em todo canto: no nome da praça, na placa da rua, no anúncio da pousada, nos santinhos, no formato da cabine do telefone público (em vez de um orelhão, um chapelão à moda do padre) e tantos outros objetos vendidos nas barraquinhas diante da Capela do Socorro -- onde, ao lado, fica o cemitério em que se depositaram os restos mortais de Cícero Romão Baptista.

Pois bem, voltei ao hotel, escrevi mais um pouco, fui comer e chamei o táxi para o aeroporto. Não tinha contado, mas, desde a noite anterior, uma coisa me chamava a atenção: um adesivo na porta do hotel, onde se dizia "Aeroporto do Cariri já!".

Tanto que perguntei ao motorista (o mesmo da véspera):

-- Mas o que vocês querem, se o aeroporto já existe?

-- É que este aqui não serve mais. É muito pequeno. Comerciantes, empresários e outras pessoas daqui já entregamos um projeto para a Infraero aumentar o aeroporto, mas ela alega que, se ele crescer, não quer mais administrá-lo. Então, se é para manter esse aeroporto deficiente, é melhor que ele feche logo as portas, até que se construa outro -- respondeu.

E (de novo) nós, da Baixada, ainda nem conseguimos erguer o nosso...

Às 14 horas (portanto, depois de exatas 24 horas no Ceará), embarquei para Congonhas, não sem parar antes em Recife. Cheguei com uma enxaqueca miserável. Que melhorou logo depois de eu entrar em casa, quase às 11 da noite.

Mas foi o de menos. A reportagem manchetou o jornal do domingo posterior ao da viagem. E as dores de cabeça desta pobre região rica não passam.

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