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Euclides da Cunha escreveu: "O sertanejo é, antes de tudo, um forte". Mas poderia ter redigido: "O repórter é, antes de tudo, um ignorante".
Pois eu, santista de nascimento e ainda residente na cidade (até quando o custo de vida deixar...), ignorava tremendamente quem foi e o que fez Rubens Paiva (1929-1971) — um conterrâneo exemplar, ex-deputado federal que, em meio mandato (eleito em 1962, foi um dos primeiros cassados após o Golpe de 1964), deixou mais marcas do que parlamentares de inúmeras legislaturas.
Pois eu, santista de nascimento e ainda residente na cidade (até quando o custo de vida deixar...), ignorava tremendamente quem foi e o que fez Rubens Paiva (1929-1971) — um conterrâneo exemplar, ex-deputado federal que, em meio mandato (eleito em 1962, foi um dos primeiros cassados após o Golpe de 1964), deixou mais marcas do que parlamentares de inúmeras legislaturas.
Sabia que Paiva havia sido torturado e morto nos tempos mais pesados da ditadura. Mas quem ele foi era algo que, confesso, deveria ter procurado saber há mais tempo, sobretudo por eu ser alguém curioso a respeito de aspectos históricos da cidade.
E, como ocorre com a maioria dos repórteres ignorantes que se prezam, contar pela enésima vez o desaparecimento de Rubens Paiva (cujos 40 anos se completaram no último dia 20) e com novas cores era uma missão que eu teria de cumprir... em menos de 14 horas!
É fato: como muito raramente somos autorizados a fazer hora extra no jornal sem que a chefia se aborreça por causa disso, cada dia de trabalho tem sete horas, sem contar as escapadas durante o intervalo e nas quais, veja que ironia, aproveitamos para trabalhar — enquanto tem gente que usa o horário do trabalho, em tantos lugares e profissões, para enrolar um pouco. Em resumo, é o tipo de reportagem que se deve fazer com calma, tempo, pesquisa aprofundada e cuidado. No cotidiano da profissão, costuma só nos restar o cuidado, justamente o elemento que é por nossa conta e o mais difícil de tomar quando faltam os outros três.
Uma das fontes que me indicaram para entrevistar foi Marcelo Rubens Paiva. Jornalista e escritor celebrado por seu livro 'Feliz Ano Velho' (1982; ainda não o li), onde conta o acidente que o deixou paraplégico e cita o sumiço do pai, era fonte óbvia para dizer, também pela enésima vez, como foi, onde estava, o que viu e ouviu, o que e como fez e no que pensou.
Marcelo não aguenta mais falar no assunto. Claro, aborda o tema, vez por outra, em suas crônicas; deve ser imensamente doloroso ver o pai pela última vez aos 11 anos e nem sequer ter a possibilidade de velar seu corpo, jamais encontrado. Então, por que procurar pela mesma fonte novamente? Para aborrecê-lo? Para me aborrecer? Afinal, ninguém gosta de ser maltratado. Se ele me perguntasse "O que você quer saber, pois eu já disse tudo?", eu talvez não soubesse responder. Tenho o hábito, defeito talvez, de me pôr no lugar do outro.
Apostei em outra fonte: Vera Paiva, a mais velha dos cinco filhos de Rubens Paiva e único membro da família a não estar em casa no 20 de janeiro de 1971 em que Rubens Paiva foi levado embora. Ela estudava Inglês em Londres (Inglaterra) e, conforme me disse, soube dias depois por um jornal britânico, o 'Times', da detenção do ex-deputado.
Considerei seu depoimento excelente. Claro, sua formação intelectual é útil para que expresse claramente o que pensa. Mas suas palavras me ajudaram muito a reforçar uma dúvida pessoal que, quem sabe, será sanada neste governo: por que o Brasil não apura oficialmente os desaparecimentos, mortes, torturas, cassações cometidos entre 1964 e 1985 por meio de um grupo que, aqui, se pretende chamar Comissão da Verdade?
Eu nasci a 12 dias do encerramento do Ato Institucional (AI) número 5, aquele que praticamente aniquilou as liberdades e garantias de segurança individuais no País. Entrei na escola no último ano do regime militar. Passei a adolescência sem ouvir uma palavra do que foi aquele período. Na faculdade, aquela época desgraçada foi abordada muito de passagem e sem qualquer contextualização que permitisse compreender o mínimo daquilo tudo, que fosse além das palavras de ordem.
Por que sonegar as coisas de quem não viveu aquele tempo (e mesmo de quem viveu, porque não soube, em muitos casos devido à censura)?
Mas, voltando à reportagem e encerrando este texto, terminei meu trabalho satisfeito. Não deve, nem de longe, ter sido uma das melhores matérias já feitas sobre Rubens Paiva. Para mim, no entanto, serviu como um curso intensivo da História que não aprendi no colégio.
É preciso memória.
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